sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Conversa sobre Vítor Baptista »»» Da glória à miséria, memórias do setubalense

Foto: Câmara Municipal de Setúbal
Da glória à miséria, memórias do setubalense Vítor Baptista, futebolista virtuoso, excêntrico e irreverente, foram partilhadas no dia 6 ao final da tarde num encontro que juntou familiares, amigos e investigadores.

O documentário/reportagem “O maior – a história de Vítor Baptista”, assinado pelos jornalistas do jornal Expresso Pedro Marta Candeias e Joana Beleza, deu o mote para o terceiro encontro do ciclo “Ao final da tarde…”, iniciativa do programa de Setúbal Cidade Europeia do Desporto 2016, realizada na Biblioteca Pública Municipal.

“Falar do Vítor é fácil e ao mesmo tempo difícil”, partilhou, emocionado, Fernando Tomé, antiga glória do futebol vitoriano, a quem Vítor Baptista chamava de “irmão”, recordando a ascensão e queda de um mito do desporto nacional, exímio ponta de lança que “metia a cabeça onde os outros metiam os pés”.

Setúbal, a terra de nascimento, a 18 de outubro de 1948, foi onde “O Maior”, como se autodenominava, despontou para o futebol. Ingressou no Vitória Futebol Clube com 15 anos e rapidamente ascendeu à primeira categoria para viver épocas de brilho, com golos atrás de golos.

A primeira aparição na equipa principal foi aos 18 anos. “A estreia foi no Estádio do Mar, em Matosinhos, num jogo em que o Vitória ganhou por três a zero ao Leixões. Tinha acabado de sair dos juniores e fez os jogos a titular na Taça de Portugal, incluindo a final, contra a Académica”, lembrou Tomé.

Pela mão do treinador José Maria Pedroto, subiu do meio campo para o coração da área e na última temporada nos sadinos apontou 22 tentos, quase suplantando outro temível goleador, Artur Jorge, com quem fez dupla de luxo, a partir de 1971, no Sport Lisboa e Benfica, já Eusébio caminhava para o ocaso da carreira.

O fascínio pelas estrelas rock britânicas e norte-americanas do início dos anos 70 assentou como uma luva na personalidade rebelde de Vítor Baptista. Era tão falado pelo que fazia dentro como fora das quatro linhas. O brinco, que começou a usar antes do 25 de Abril, o potente Jaguar e a boémia eram algumas extravagâncias.
“Ele dizia que era ‘o maior’ pela excentricidade. Nunca dizia que era o melhor”, afirmou Tomé, para realçar a mentalidade avançada de Vítor Baptista. “Pedia dinheiro pelas entrevistas e fotografias, algo que ninguém fazia. Era aquilo que hoje designamos de direitos de imagem. Estava muito à frente para a época.”

No encontro com cerca de duas horas, que começou com a exibição do documentário/reportagem do Expresso, Fernando Tomé partilhou também algumas histórias. Uma delas passou-se em Itália, depois de um jogo do Vitória frente à Fiorentina. Antes do regresso a Portugal, a comitiva faz uma paragem em Roma.
“Depois do jantar fomos dar um passeio. Estava muito frio. Passámos por uma piscina que até gelo tinha. O Guerreiro desafiou. Dou quinhentos escudos a quem se atirar lá para dentro vestido. O Vítor ofereceu mil e o Guerreiro saltou. O Vítor ficou a chorar o dinheiro”, lembrou Fernando Tomé. “Difícil foi voltar ao hotel. Teve de ser à socapa.”

Vítor Baptista jogou no Benfica até 1978, para voltar ao Vitória, a que se seguiram passagens pelo Boavista, San Jose Earth Quakes, dos Estados Unidos da América, Amora, Montijo, União de Tomar, Monte de Caparica e Estrelas do Faralhão, equipa que também treinou, em 1985/86.

Foi o declínio de um craque dos relvados, com muitas tardes de glória no Vitória, no Benfica, mas também na seleção portuguesa, que representou por 11 vezes, marcando dois golos. Uma vida intensa, mas curta, que acabou num quadro de degradação devido à droga. Faleceu aos 50 anos, a 1 de janeiro de 1999.
“Não quis ser ajudado”, afirmou Idaliano Baptista, o irmão do meio de Vítor Baptista. Recorda-o, sobretudo, como um “homem de coração puro”, que se se deixou levar pelas companhias erradas. A irreverência era a imagem de marca. “Foi o primeiro a usar calças encarnadas, tamancos e brinco. E aquele cabelo”, recordou, entre risos.

Idaliano, que nunca gostou de viver na sombra do irmão, revelou um episódio caricato. “Tive um acidente de trabalho e fui parar ao hospital, em Lisboa. Como era muito parecido com ele, correu o boato de que o Vítor Baptista estava ali com uma perna partida. Não me descosi e tive uma série de privilégios.”

A figura de Vítor Baptista faz parte da memória e identidade setubalense. “Marcou a história do desporto em Setúbal e também em Portugal”, afirmou o vereador do Desporto da Câmara Municipal, Pedro Pina, que elogiou a importância da iniciativa e enalteceu o trabalho jornalístico realizado pelos dois profissionais.
“Sempre ouvi falar do Vítor Baptista. Merece ser reconhecido como homem e como futebolista que foi”, frisou o autarca, para anunciar que “a autarquia está a ultimar a atribuição do seu nome a um dos complexos desportivos municipais”, até porque “Vítor Baptista vai ser falado a vida inteira”.

O documentário/reportagem “O maior – a história de Vítor Baptista”, dos jornalistas do Pedro Marta Candeias e Joana Beleza, ponto de partida para o encontro de dia 6 ao final da tarde, revela histórias menos conhecidas da vida do futebolista, com testemunhos de amigos, familiares e dirigentes.
“O trabalho foi fácil e ao mesmo tempo difícil. Como muita gente na minha geração, sempre ouvi falar do Vítor Baptista. A curiosidade de saber mais e de contar uma história diferente daquela que já havia sido contada levou a este desfecho”, adiantou o jornalista Pedro Marta Candeias.

Fernando Tomé foi o ponto de partida e peça-chave na investigação jornalística realizada ao longo de dois anos. “Quisemos contar, sobretudo, a história de um homem de Setúbal e a sua vivência na cidade. Gostava de o ter conhecido pessoalmente”, revelou o jornalista do Expresso.

Se Pedro Marta Candeias começou com entusiasmo, o difícil foi convencer a colega Joana Beleza a abraçar o desafio. “Não conhecia o Vítor Baptista nem me interessava pelo trabalho. Aliás, o desporto nem é uma área que me interesse, ao contrário do Pedro, que tem um background desportivo”, revelou a jornalista.

Foi o pai da Joana Beleza que a incentivou. “Jogou com ele à bola na tropa e recordava-o como se fosse hoje.”

A investigação, que culminou com um documentário, um trabalho multimédia e um artigo para uma revista, acabou por ser “o projeto do grupo Impresa mais visto de sempre e com mais partilhas nas redes sociais”, vincou.

“O Maior – a história de Vítor Baptista” narra um mito, um futebolista que nasceu pobre, viveu rico e morreu sem nada. O trabalho está disponível em http://multimedia.expresso.pt/omaior/. “Acho que daqui a 50 anos ainda se vai falar dele. Foi um homem especial”, afirmou Joana Beleza.

Esta sessão do ciclo “Ao final da tarde…”, dedicada a Vítor Baptista, foi a terceira de um conjunto de conversas informais que dão a conhecer aspetos de várias individualidades setubalenses. A primeira evocou a antiga ciclista Oceano Zarco, enquanto a outra destacou atletas olímpicos de Setúbal. 

Fonte: Câmara Municipal de Setúbal

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