Foto: Câmara Municipal de Setúbal |
Da glória à miséria, memórias do setubalense Vítor Baptista,
futebolista virtuoso, excêntrico e irreverente, foram partilhadas no dia
6 ao final da tarde num encontro que juntou familiares, amigos e
investigadores.
O documentário/reportagem “O maior – a história de Vítor Baptista”,
assinado pelos jornalistas do jornal Expresso Pedro Marta Candeias e
Joana Beleza, deu o mote para o terceiro encontro do ciclo “Ao final da
tarde…”, iniciativa do programa de Setúbal Cidade Europeia do Desporto
2016, realizada na Biblioteca Pública Municipal.
“Falar do Vítor é fácil e ao mesmo tempo difícil”, partilhou,
emocionado, Fernando Tomé, antiga glória do futebol vitoriano, a quem
Vítor Baptista chamava de “irmão”, recordando a ascensão e queda de um
mito do desporto nacional, exímio ponta de lança que “metia a cabeça onde os outros metiam os pés”.
Setúbal, a terra de nascimento, a 18 de outubro de 1948, foi onde “O
Maior”, como se autodenominava, despontou para o futebol. Ingressou no
Vitória Futebol Clube com 15 anos e rapidamente ascendeu à primeira
categoria para viver épocas de brilho, com golos atrás de golos.
A primeira aparição na equipa principal foi aos 18 anos. “A estreia
foi no Estádio do Mar, em Matosinhos, num jogo em que o Vitória ganhou
por três a zero ao Leixões. Tinha acabado de sair dos juniores e fez os
jogos a titular na Taça de Portugal, incluindo a final, contra a
Académica”, lembrou Tomé.
Pela mão do treinador José Maria Pedroto, subiu do meio campo para o
coração da área e na última temporada nos sadinos apontou 22 tentos,
quase suplantando outro temível goleador, Artur Jorge, com quem fez
dupla de luxo, a partir de 1971, no Sport Lisboa e Benfica, já Eusébio
caminhava para o ocaso da carreira.
O fascínio pelas estrelas rock britânicas e norte-americanas do início
dos anos 70 assentou como uma luva na personalidade rebelde de Vítor
Baptista. Era tão falado pelo que fazia dentro como fora das quatro
linhas. O brinco, que começou a usar antes do 25 de Abril, o potente
Jaguar e a boémia eram algumas extravagâncias.
“Ele dizia que era ‘o maior’ pela excentricidade. Nunca dizia que era o melhor”, afirmou Tomé, para realçar a mentalidade avançada de Vítor Baptista. “Pedia
dinheiro pelas entrevistas e fotografias, algo que ninguém fazia. Era
aquilo que hoje designamos de direitos de imagem. Estava muito à frente
para a época.”
No encontro com cerca de duas horas, que começou com a exibição do
documentário/reportagem do Expresso, Fernando Tomé partilhou também
algumas histórias. Uma delas passou-se em Itália, depois de um jogo do
Vitória frente à Fiorentina. Antes do regresso a Portugal, a comitiva
faz uma paragem em Roma.
“Depois do jantar fomos dar um passeio. Estava muito frio. Passámos
por uma piscina que até gelo tinha. O Guerreiro desafiou. Dou
quinhentos escudos a quem se atirar lá para dentro vestido. O Vítor
ofereceu mil e o Guerreiro saltou. O Vítor ficou a chorar o dinheiro”, lembrou Fernando Tomé. “Difícil foi voltar ao hotel. Teve de ser à socapa.”
Vítor Baptista jogou no Benfica até 1978, para voltar ao Vitória, a que
se seguiram passagens pelo Boavista, San Jose Earth Quakes, dos Estados
Unidos da América, Amora, Montijo, União de Tomar, Monte de Caparica e
Estrelas do Faralhão, equipa que também treinou, em 1985/86.
Foi o declínio de um craque dos relvados, com muitas tardes de glória
no Vitória, no Benfica, mas também na seleção portuguesa, que
representou por 11 vezes, marcando dois golos. Uma vida intensa, mas
curta, que acabou num quadro de degradação devido à droga. Faleceu aos
50 anos, a 1 de janeiro de 1999.
“Não quis ser ajudado”, afirmou Idaliano Baptista, o irmão do meio de Vítor Baptista. Recorda-o, sobretudo, como um “homem de coração puro”, que se se deixou levar pelas companhias erradas. A irreverência era a imagem de marca. “Foi o primeiro a usar calças encarnadas, tamancos e brinco. E aquele cabelo”, recordou, entre risos.
Idaliano, que nunca gostou de viver na sombra do irmão, revelou um episódio caricato. “Tive
um acidente de trabalho e fui parar ao hospital, em Lisboa. Como era
muito parecido com ele, correu o boato de que o Vítor Baptista estava
ali com uma perna partida. Não me descosi e tive uma série de
privilégios.”
A figura de Vítor Baptista faz parte da memória e identidade setubalense. “Marcou a história do desporto em Setúbal e também em Portugal”,
afirmou o vereador do Desporto da Câmara Municipal, Pedro Pina, que
elogiou a importância da iniciativa e enalteceu o trabalho jornalístico
realizado pelos dois profissionais.
“Sempre ouvi falar do Vítor Baptista. Merece ser reconhecido como homem e como futebolista que foi”, frisou o autarca, para anunciar que “a autarquia está a ultimar a atribuição do seu nome a um dos complexos desportivos municipais”, até porque “Vítor Baptista vai ser falado a vida inteira”.
O documentário/reportagem “O maior – a história de Vítor Baptista”, dos
jornalistas do Pedro Marta Candeias e Joana Beleza, ponto de partida
para o encontro de dia 6 ao final da tarde, revela histórias menos
conhecidas da vida do futebolista, com testemunhos de amigos, familiares
e dirigentes.
“O trabalho foi fácil e ao mesmo tempo difícil. Como muita gente na
minha geração, sempre ouvi falar do Vítor Baptista. A curiosidade de
saber mais e de contar uma história diferente daquela que já havia sido
contada levou a este desfecho”, adiantou o jornalista Pedro Marta Candeias.
Fernando Tomé foi o ponto de partida e peça-chave na investigação jornalística realizada ao longo de dois anos. “Quisemos
contar, sobretudo, a história de um homem de Setúbal e a sua vivência
na cidade. Gostava de o ter conhecido pessoalmente”, revelou o jornalista do Expresso.
Se Pedro Marta Candeias começou com entusiasmo, o difícil foi convencer a colega Joana Beleza a abraçar o desafio. “Não
conhecia o Vítor Baptista nem me interessava pelo trabalho. Aliás, o
desporto nem é uma área que me interesse, ao contrário do Pedro, que tem
um background desportivo”, revelou a jornalista.
Foi o pai da Joana Beleza que a incentivou. “Jogou com ele à bola na tropa e recordava-o como se fosse hoje.”
A investigação, que culminou com um documentário, um trabalho multimédia e um artigo para uma revista, acabou por ser “o projeto do grupo Impresa mais visto de sempre e com mais partilhas nas redes sociais”, vincou.
“O Maior – a história de Vítor Baptista” narra um mito, um futebolista
que nasceu pobre, viveu rico e morreu sem nada. O trabalho está
disponível em http://multimedia.expresso.pt/omaior/. “Acho que daqui a 50 anos ainda se vai falar dele. Foi um homem especial”, afirmou Joana Beleza.
Esta sessão do ciclo “Ao final da tarde…”, dedicada a Vítor Baptista,
foi a terceira de um conjunto de conversas informais que dão a conhecer
aspetos de várias individualidades setubalenses. A primeira evocou a
antiga ciclista Oceano Zarco, enquanto a outra destacou atletas
olímpicos de Setúbal.
Fonte: Câmara Municipal de Setúbal
Sem comentários:
Enviar um comentário